Van Grogue bastante apreensivo naquela manhã de quinta-feira, 10 de Dezembro, caminhava lentamente pela rua central de Tupinambicas das Linhas. As notícias dos jornais e das rádios preparavam a população para algo que há muito se projetava no cenário político Tupinambiquence: pelos desmandos, equívocos e desvios das verbas públicas o mandato de Jarbas, o caquético seria cassado.
Os noticiários davam conta de que o prefeito já fora condenado em primeira instância a deixar o cargo, mas aguardava ansioso o desfecho do próximo julgamento. Tendes Trame, o Fuinho Bigodudo, tia Ambrosina e outros integrantes da seita maligna, que se aboletaram no poder, torciam para que os julgadores se enganassem, livrando a todos da confirmação do castigo.
Van percebeu a intensidade dos raios solares incidindo sobre a cachimônia exatamente no momento precedente à sua chegada no bar do Maçarico. Ao entrar notou que, além do proprietário, não havia mais ninguém. Sentindo-se aliviado pela sombra refrescante, ele foi logo dizendo:
- O mandato do prefeito será cassado. Você ouviu as informações Maçarico?
- Ouvi sim. Está em todos os noticiários das rádios e o Diário Tupinambiquence, geralmente capenga, também confirmou. – respondeu o velho Maçarico limpando o balcão com o guardanapo alvo.
Com um gesto discreto Van Grogue fez com que o homem lhe servisse antes uma dose média de pinga, e em seguida a cerveja geladíssima.
Acendendo um cigarro Van de Oliveira preparava-se para expor o que sabia sobre o assunto quando percebeu a entrada afoita do Pery Kitto.
- Quanta mentira sobre o pobre Jarbas! Vocês não têm mesmo piedade. Imagine só dizer que ele falseia licitações, que prejudica o estado superfaturando ambulâncias, mas isso é um absurdo. – despejou o Kitto pedindo uma cerveja.
- Constataram que Jarbas, Tendes Trame e o Fuinho Bigodudo, que já têm mais de vinte anos de ocupação nos cargos públicos eletivos, receberam milhares de votos de eleitores fantasmas. – acrescentou Van Grogue à fogueira que se iniciava.
Maçarico notou que o rosto vermelho e suado do Pery Kitto contraiu-se à semelhança da face do boxeador que recebe um golpe violento no baço.
- Ninguém tem provas de nada. O povo fala, a imprensa publica, mas não há provas que garantam ser isso tudo verdade. – afirmou com segurança o Kitto.
- Mas onde há fumaça há fogo. – rebateu Virgulão que chegava com um jornal dobrado debaixo do braço esquerdo. No bolso traseiro direito havia também outro exemplar.
- Fala Virgulão! Ai está o homem que vende geladeira pra esquimó! – recepcionou Van de Oliveira.
- Todo mundo comenta que a turma do Jarbas sacaneou os cofres públicos e que está com medo de ser condenada a deixar o governo. – concluiu Virgulão.
- É. O conceito dos caras ruiu. Eles vão terminar num lugar bem medíocre no ranking dos mais produtivos; da opinião dos eleitores. – arrematou Maçarico abrindo a cerveja do recém-chegado.
- Vocês estão todos loucos. Ninguém pode afirmar que a vovó Bim Latem, que o Tendes Trame, que o nosso querido Fuinha Bigodudo estejam envolvidos nas fraudes das eleições. Como provarão que eles se valeram de eleitores fantasmas para se manter no poder por tanto tempo? – Pery Kitto era o único que ousava defender a turma do Jarbas.
- Sabe o que eu acho? Eu acho que existe uma onda muito forte indicando irregularidades na prefeitura de Tupinambicas das Linhas. E não é de hoje. Faz tempo que isso ocorre. O problema, como sempre, é que ninguém consegue sustentar a tese até uma condenação final. Esse é o problema. – Falou Grogue bebendo um gole de cerveja.
- Esse era o problema! Porque agora eu mesmo vou contar a verdade pra todo mundo. – Depôs com firmeza o Zé Lagartto que chegava pisando com o pé direito a soleira do bar.
O pessoal todo se espantou com a declaração abrupta. Silentes eles voltaram-se para o informante que prosseguiu:
- É verdade. Fiz parte dessa turma e a ajudei em duas eleições, mas agora cansei. Esse governo do Jarbas é um governo para os ricos. Na sua frente eles são de um jeito, mas às ocultas demonstram outra personalidade. São hipócritas, insinceros, fariseus, incoerentes. Posso dizer que eles têm traços consideráveis da esquizofrenia. Vocês sabem né? Eu manjo dessas coisas. Eles negam merenda escolar e até passe de ônibus para os alunos que residem distante dois quilômetros das escolas. Assim não dá. Assim não pode. Vou contar tudo.
- Lagartto, você enlouqueceu! Onde já se viu isso? Um vereador conhecido como o braço direito do prefeito dizendo disparates. Mas você bebeu demais, mano!- Pery Kitto estava indignado.
- Nada disso. Estou são. Um pouco fora de forma, bastante pesado, mas são. A bem da verdade e para a alegria do povo contarei tudo o que sei sobre as tretas do Tendes Trame, do Fuinha e do Jarbas. – confirmou Lagartto.
Pery Kitto, demonstrando muita contrariedade, tirou com um gesto grosseiro o dinheiro do bolso pagando sua conta. Em seguida, bufando, saiu sem dizer nada.
Van Grogue, Virgulão, e Maçarico felizes da vida, comemoraram a vitória:
- Lagartto! Lagartto! Lagartto!
Fernando Zocca.
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