- Bando de incompetentes! Se perderam pro Van Grogue, me digam, de quem vocês ganharão? – Pery Kitto bastante irritado tentava convencer o time, formado por meninos, de que eles deveriam lutar sem choradeiras.
- Mas eles correm muito. - reclamava um jovem desanimado.
- Olha, veja bem, presta atenção: nem que eu tenha de passar noites inteiras falando na cabeça de vocês, um dia vocês aprendem. Não é com esses corpos moles que vocês vencerão. Assim, não vai não gente. Eu já estou cansado de falar. Mas digo e repito: vou falar e falar até que entendam. Se for preciso passaremos as noites em claro conversando, até que consigam notar que é importante a nossa vitória.
- Mas seu Pery Kitto, eu acho que essa estratégia não dá muito certo não. Já faz uns quatro ou cinco campeonatos que estamos batendo nessa mesma tecla e nada. A gente só se fodemos.
- É que vocês são muito burros. Se fosse no meu tempo já teríamos vencido aquele timeco de vagabundos do Van Grogue. – reforçou Pery Kitto esfregando a camisa 64, na água fria que caia do chuveiro.
- Mas seu Kitto, o senhor não disse que a turma do prefeito ajudaria o time? Até agora não vi ajuda nenhuma! – afirmou o goleiro desamarrando as chuteiras.
- O Jarbas é assim mesmo. Eles prometem, mas não cumprem. Eles só falam em licitação, pontes, e recapeamento de ruas que já têm calçamento. Eles pensam no bolso deles e não querem nem saber de time da periferia.
- Ah, o senhor prometeu que a gente teria ajuda até do deputado Tendes Trame. Mas pelo jeito ele também falhou. – disse choramingando um atacante. – Será que eu vou ter de gritar pra que eles ouçam a gente? – prosseguiu o menino jogando, com raiva, a camisa no banco.
- Eu só quero mais empenho de vocês. Só isso. Vocês são muito fracos. Assim não tem jeito. – ralhou Pery Kitto acendendo outro cigarro no vestiário.
De bermudas cinza, camiseta regata azul e chinelos de couro, o treinador caminhava de um lado pro outro pisando nas poças d´água. Quando o homem notou que as crianças fizeram silêncio ele mandou:
- Eu não quero nem saber. No meu time o cara tem que dizer a que veio. Se não já viu, né? Se não render em campo vai todo mundo bater lata ou puxar carroça. E olha: eu já estou ficando nervoso!
Um dos meninos foi acometido por um acesso de tosse. O cheiro de suor, a umidade e a fumaça do tabaco tornavam o ambiente bastante impróprio para a saúde.
- Vocês só querem saber de paçoca e chicletes. Querem bolacha e refrigerante dos bons, mas na hora de mostrar o serviço, ficam com essa má vontade que dá até nojo. Olha como já estou branco de raiva. Eu já falei: se a gente perder pro Van Grogue vocês vão puxar carroça!
Nesse instante a zeladora fofa do clube, sem se importar se encontraria os meninos nus, entrou no ambiente com um rodo na mão dizendo:
- Ah, seu Pery Kitto, não seja assim tão duro com as crianças. Quem sabe se o senhor não consegue melhores resultados ao mudar um pouco essa rijeza do coração, trocando o tom cruel das palavras, por uma conversa noturna mais suave?
- Não adianta dona Emengarda! Eles só querem ver desenho na TV, comer batatinha frita e pronto! Ninguém tem compromisso com nada. Eu é que tenho de me virar espancando amassado o dia inteiro. – respondeu o homem arfando. E depois apontando para as palmas das mãos disse entredentes:
- Olha como é que está minha mão!
A zeladora serena que tinha os cabelos pretos e longos enrodilhados atrás, num coque, passava o rodo puxando as águas acumuladas no chão. Ela dizia:
- Não adianta o senhor brigar desse jeito com a molecada. Deixa eles brincarem um pouco na rua. Eu vejo que o senhor não dá sossego. O senhor fica em cima dessas crianças como se elas fossem escravas. Isso aqui até parece uma senzala. O senhor quer controlar até o pensamento delas. Que maldade seu Pery Kitto! Veja quanto lamento!
- Eles têm que fazer pro gasto que dão! – reclamava o treinador acendendo outro cigarro.
- Dá uma folga pras crianças seu Kitto. Desaperta um pouco. Olha, cuidado se não espana! – o tom de voz baixo e grave da Emengarda assustou o homem que tentava conter a tosse.
Depois que todos tomaram banho e já vestidos com as roupas comuns, caminhando em direção ao veículo, que os levaria de volta pra casa, perceberam que sobre o muro, defronte ao portão do clube de onde saíam, havia um urubu que os espreitava. Ele mantinha as asas abertas, como se as esperasse secar ao sol.
Pery Kitto nervoso, coçou a cabeça, e num ato incontido atirou no bicho o par de chuteiras que levava nas mãos. Assustado o abutre voou pra longe.
O goleiro que viu seu instrumento de trabalho se perder no telhado reclamou:
- Mas justamente minhas chuteiras, seu Kitto?
Sem dar muita atenção pro menino ele resmungou:
- Depois te dou outra. – Kitto estava satisfeito: perdera as chuteiras, mas espantara o jereba.
Fernando Zocca.
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