quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Os Vitoriosos

Você já viu a quantidade dos escândalos públicos provocados por políticos, mostrados quase que diariamente na TV?

É governador que recria dutos desviantes da “seiva” dos seus caminhos oficiais; é outro que se envolve nas embrulhadas nos Departamentos de Trânsito; é prefeito que supervaloriza preços de móveis, cobra propinas de empreiteiros, valendo-se depois do dinheiro do público para oprimir adversários e por aí vai.

Na sociedade eles se autodenominam vitoriosos, frequentam as páginas sociais dos jornais e das TVs, passando a idéia de que todo o patrimônio que possuem é fruto do trabalho honrado.

Até parece.

Eu já lhes disse que quando era moleque fui vendedor de máquinas de escrever e relógios de ponto?

Se não contei passo agora a fazê-lo. Minha tia Olanda, irmã de meu pai preocupou-se, numa determinada ocasião, ao me ver assim de léu em léu, sem ter o que fazer, numa cidade tão pujante como era Piracicaba daquele tempo.

Então ela me apresentou a um representante comercial, vendedor de máquinas de escrever e relógios de ponto, que denominarei Eliseu, estabelecido no Centro da cidade. Depois de algum tempo de conversação fui admitido e passei a circular a pé pelas ruas com os prospectos do material que vendia.

Ante os sucessivos dias sem qualquer resultado positivo, o representante que me recrutara disse que desejava ter “uma palavrinha” comigo. Por isso eu precisaria estar com ele antes do início do expediente lá na loja, num dia determinado.

E lá fui eu.

Quando cheguei o estabelecimento ainda estava fechado e parado na calçada defronte a casa comercial, esperei o Eliseu que chegava. Ele abriu a porta metálica que ocluía o ambiente e, depois de vê-lo arejado convidou-me a sentar diante de uma mesa dessas de escritório.

Eliseu então passou a fazer uma espécie de palestra num tom baixo, suave, monocórdico e grave, com a qual me aconselhava a deixar a cidade, pois não podia ver nela um futuro bom para mim.

Depois de me dizer que aqui até o delegado responsável pelo Departamento de Trânsito “levava o dele na maciota” garantiu-me o Eliseu que não existia político honesto, mas sim muitas investigações falhas.

O representante comercial Eliseu foi falando, falando, contando que tinha de vender tantas e tantas máquinas de escrever e relógios ponto por ano, pra Prefeitura, para a Câmara Municipal, para o Dedini, pra Esalq, para as escolas estaduais, e não sei mais pra quem.

Ele me garantia que se eu continuasse com aquela produção que demonstrara, morreria logo de fome. O espertíssimo Eliseu dizia que eu deveria acordar o meu lado “esperto” e que não me preocupasse em não praticar atos ilícitos, pois os vitorioso não tinham tantas amarras éticas ou pudores excessivos.

E Eliseu exemplificava dizendo-me que quando renovava o patrimônio da Prefeitura, substituindo as centenas de máquinas de escrever usadas, por outra centena de novas, sempre ganhava um dinheirinho a mais.

Naquele tempo eu não podia conceber qual seria a fórmula aplicada para receber, além do preço do material, o algo mais, arrancado por meio de ardil.

Hoje qualquer estudante adolescente sabe que essa “esperteza” chama-se superfaturamento de preços.

Pra quem ainda não teve contato com o assunto explica-se usando um exemplo da história recente de alguns políticos bem conhecidos. Se uma ambulância custa, para uma Prefeitura, o preço x, o nosso esperto homem de negócios, travestido de político, faz com que ela seja paga com o valor de 2x pela instituição que representa. O fornecedor recebe o seu x e o nosso habilidoso político embolsa o outro x, que após rateado entre os demais participantes da estratégia, incorpora-o ao rol dos seus bens particulares.

Depois então de uma ou mais gestões, impunes, gordos, saciados, satisfeitos, e debochadores, mostram-se vitoriosos nos programas de TV, pagando para estamparem suas fotos nas colunas sociais dos jornais e financiando outras mídias correligionárias.

Bom, eu não tinha vocação nenhuma pra vendedor de máquinas de escrever e, mesmo sem levar algum dinheiro a que teria jus por negócio entabulado, me mandei pra nunca mais voltar.

Você acredita que só porque lhes conto essas coisas um vizinho – funileiro louco – enche minha casa de tinta todos os dias?


Fernando Zocca.

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