terça-feira, 27 de outubro de 2009

Maltratando o gambá

Ado Henrique era um sujeito alto, magro, louro, e branquíssimo que amava churrascos temperados só com sal grosso. Ele chegara a Tupinambicas das Linhas de passagem para a capital, mas gostara tanto do lugar que resolveu residir na cidade.
Depois de mais ou menos trinta dias perambulando pra lá e pra cá, em busca de uma atividade econômica que o pudesse sustentar, ele achou que se se estabelecesse com um bar poderia viver muito bem.
E foi pensando em adquirir um boteco já tradicional que Ado Henrique entrou, naquela tarde quente de segunda-feira, no bar do Bafão.
Na mesa pequena que ficava sempre encostada no canto esquerdo, próximo da porta frontal, estavam Charles mais conhecido como “boca de porco”, que nunca tirava aquela ressequida camisa regata verde-limão, encardida pela graxa e resíduos de tinta; o carroceiro Edbar B. Túrico, que aproveitando a calmaria da hora deixou na calçada a carroça que puxava, para tomar aquela gelada refrescante e, Van Grogue, o mais conhecido biriteiro tupinambiquence.
Quando Ado Henrique entrou olhou logo para aqueles prováveis futuros fregueses cumprimentando-os vigorosamente. Era com se um capitão-do-mato, feitor de fazenda monarquista ou general nazista adentrasse ao ambiente para tomar as providências rigorosas contra algumas supostas irregularidades ocorrentes.
- Boa tarde, senhores! – o tom formal e severo assustou os pingueiros amolecidos, mas não os impediu de responder educadamente.
Pigarreando Ado Henrique aproximou-se de Bafão, que como sempre, asseava o balcão, passando sobre ele uma toalha alva. O recém-chegado sinalizou ao barman aproximando o indicador do polegar a uma distância que o remetesse à desejada dose de pinga, mandando também com voz solene:
- E uma cerveja bem gelada!
O burburinho que havia no ambiente, momentos antes da entrada do ilustre cavalheiro, cessou ante a visão da figura. Em silêncio os copos eram agora levados aos lábios, ao mesmo tempo em que os bebedores observavam as cenas decorrentes.
Ado Henrique depois de emborcar, de uma só vez, a dose reforçada da “três martelos”, agarrou a garrafa de cerveja pelo gargalo e, ajeitando o copo na outra mão procurou assentar-se à mesa próxima do pessoal que ali estava.
- Pois ora, veja que Tupinambicas das Linhas é mesmo grandiosa, enorme. Há trabalho para todos que a procuram. Não é verdade? Como é que se chama mesmo o prefeitinho daqui? É Nero? – o atordoamento de Ado Henrique, provocado pela ingesta do álcool, tornava-se já perceptível ao grupo, simultaneamente em que via também o rosto do forasteiro avermelhando-se.
- Hum... – disse Van Grogue em voz baixa – Pelo jeito a coisa vai desandar.
Edbar B. Túrico dobrou-se todo sobre o ventre esticando o pescoço para observar a carroça parada ali perto da porta. Ele pensou que se tivesse de sair correndo, não se importaria muito com a carga de papelão que ajuntara.
Charles tirou do bolso da bermuda o maço de cigarros e, com o isqueiro verde ornado com a figura de uma arara, acendeu um deles, murmurando algo em tom grave.
Diziam, os maus beiços pequenos da Vila, que Charles mais parecia um sapo banguela arfante. Mas quem o conhecia sabia ser ele um sujeito tão forte quanto um jumento. E bem burro também.
Van Grogue tentando manter o clima cordial respondeu, num tom suave, a pergunta do forasteiro:
- O prefeito daqui chama-se Jarbas. Ele é bem caquético, testudo, gabiru e ratazana de bueiro fedido.
Ado Henrique então, já não conseguindo distinguir no grupo, aquele que falava, erguendo um copo cheio de cerveja, fez outras altas indagações:
- É verdade que o presidente da Câmara Municipal já passou mais de vinte e cinco anos no cargo? Por que só ele é reeleito e mais ninguém consegue? Qual é o segredo dessa... Múmia? Como ela consegue isso? É difícil acreditar na existência de cargos municipais eletivos vitalícios. Mas ela é uma prova cabal disso. Qual é mesmo o nome da figura?
Van Grogue percebeu que apesar das perguntas não terem sido direcionadas a alguém específico, achou que poderia respondê-las a contento e então disparou:
- O presidente da Câmara Municipal é o José Lagartto, mais conhecido como Zé Lagartto das quebradas. Faz um século que ele é vereador e não larga o “osso” de jeito nenhum. A “carniça fedorenta” não sabe fazer outra coisa. Nunca soube.
Van Grogue percebeu que Ado Henrique não tinha mais condições físicas para manter a conversação. O homem já babava na camisa vermelha.
De repente um gambá assustado entrou correndo bar adentro atemorizando a todos os que ali estavam. Então assim como que num passe de mágica, Ado que dormitava sobre os braços dobrados na mesa, acordou irado. O ébrio ao levantar-se com muita rapidez derrubou a cadeira, manifestando-se em seguida aos berros:
- Um gambá? Misericórdia! Um maldito gambá? Um gambá sujo aqui dentro? Eu não acredito! – esgoelando isso e segurando a garrafa pelo gargalo, Aldo Henrique corria pelo salão ralhando com todos, tentando matar o animal.
- Calma, moço. É só um bichinho que saiu ali do campinho de futebol da molecada. Ele já foi embora. Pode ficar sossegado. Não faz mal a ninguém. É um bicho bom. Um bicho gente fina. Pode confiar. – lecionou Bafão preocupado em receber o pagamento das bebidas.
Aldo Henrique enfiou as mãos nos bolsos a procura do dinheiro. Ele cambaleava, mas depois de localizar algumas notas, jogou-as sobre o balcão. Não esperou o troco saindo logo em seguida com destino ignorado.
Van Grogue olhou para os amigos boquiabertos e depois de beber o ultimo gole de cerveja, daquela tarde, passou as mãos sobre os cabelos bastos saindo em seguida.
- Eu não agüento mais Tupinambicas das Linhas – disse ele ao entrar no carro com o qual se mandou para o bairro Floresta.

Fernando Zocca.




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