- Olha, o que eu sei é que esse Van Grogue é meio louco, não dá pra confiar nele. – disse com firmeza o Pery Kitto jogando no chão um pouco de pinga, daquele seu segundo copo de cana, naquela manhã de sábado no bar do Maçarico.
Ernesto Mail que já bebericava a cerveja geladíssima, aproveitando a onda maledicente que se iniciava emendou:
- O cara corria atrás do pai armado com faca. Você quer o quê? As bocas de Matilde comentavam que quando esse demônio era criança xingava a mãe, porque lá na escola diziam que ele tinha a cabeça grande e era muito feio.
Maçarico ao perceber que a ventania iniciara, tirou do ombro o guardanapo branco e, alisando o balcão, na periferia do local onde os bebedores depositavam os copos, pigarreou ligando em seguida o rádio.
- Mas você não pode acreditar: no dia em que o E.C. 7,5 de Novembro ia jogar a partida do título, nós os mantenedores dessa honrosa instituição tupinambiquense, o famoso bar do Maçarico, combinamos uma caravana de torcedores do bairro que rumaria a pé, num bloco compacto, para o estádio. Pois não é que essa figura energúmena, conhecida como Van Grogue ia na frente, sozinho, enquanto que todo mundo seguia atrás? – martelou Zécílio Demorais o proprietário do Diário de Tupinambicas das Linhas.
- Não, mas ele queria dar uma de gostoso, de importante. Só porque foi jogador de futebol, achava que podia ir mais depressa que os outros. E olha que queria até indicar as ruas, o trajeto. – concluiu Pery Kitto.
- Não sei o que esse cara tem na cabeça. Ao invés de arrumar um emprego, trabalhar como todo mundo faz, fica nessa de induzir o povo contra o Jarbas. Por que não vai assentar tijolo, bater aquela massa esperta, levantar parede? – inquiriu indignado o E. Mail.
- O cara é muito folgado. Vai ocupando espaço que não é dele. Não se toca, não sabe que não é bem aceito. Não sei porque não se manda logo. – questionou Zécílio Demorais.
- Com isso que ele fazia, era como se dissesse que todo mundo aqui na cidade era burro, que ninguém era capaz de nada. Mas ora veja! – afirmou Pery Kitto, já atordoado.
- Eu não sei jogar bola. Mas não aprendi porque precisava trabalhar. Tinha que cortar cana quando era criança. Não é bem assim do jeito que esse cara pensa não. – arrematou Zécílio Demorais ingerindo o último gole de cerveja.
- Maçarico do inferno! Manda outra geladíssima pra gente ai, mano! – solicitou já um tanto quanto que embriagado o Pery Kitto.
Para o espanto geral, o dono do boteco respondeu, depois de vasculhar, com o olhar de gavião, o interior do balcão refrigerado:
- Má notícia moçada! Acabou a alegria. Findou a cerveja. Ontem a noite programei um telefonema, que faria hoje cedo, para o depósito pedindo outra remessa, mas esqueci. Não sei por que motivo não liguei, pedindo mais mercadoria. – justificou Maçarico.
A decepção baixou sobre os bebedores como a chuva gelada, repentina, desaba sobre os transeuntes desavisados.
Eles mal tiveram tempo pra deixar escapar um oh, em uníssono, das bocarras boquiabertas, quando entrou com um notebook, debaixo do braço esquerdo, o odiado Van Grogue.
- Mas o que é que você está esperando Maçarico, liga agora pra distribuidora. A gente esperamos. – pediu com carinho o E. Mail.
Rendendo-se aos clamores, e temendo perder a freguesia, Maçarico tentou ligar para a empresa fornecedora, mas depois de alguns segundos ele estancou.
- E aí? Vai ou não vai? – perguntou com ansiedade o Zécílio Demorais.
- De que jeito? Estamos sem telefone. Está mudo.
- Como assim? Você deixou acabar o estoque de cerveja justamente no sábado, véspera do primeiro jogo do E.C. 7,5 de Novembro, na primeira divisão? Mas você enlouqueceu Maçarico? Temos que interná-lo na casa transitória com a máxima urgência. Isso é questão de saúde pública. – sentenciou o iradíssimo Pery Kitto.
- E ainda por cima sem telefone. Mas é o fim do mundo! É mesmo o final dos tempos. Não dá pra acreditar. Gente! Que absurdo! – indignou-se E. Mail.
- Mas que raio de comerciante é você, Maçarico? – quis saber, com os olhos esbugalhados, o Zécilio.
- E agora? Vamos ficar assim perdidos, nesse arrabalde, sem cerveja? Não dá pra acreditar nisso. – rebelou-se E. Mail.
Observando tudo o que se passava Van de Oliveira Grogue, desconsiderando a reação de frieza, que sua presença causara, quando entrara no recinto disse:
- Com licença. Por que vocês não mandam um e-mail para a empresa, solicitando via internet, o pedido?
Maçarico, Zécilio Demorais, Pery Kitto e Ernesto Mail paralisaram-se boquiabertos. Ao se entreolharem eles ouviram o que dizia o Grogue:
- Olha, eu tenho o notebook e sei como funciona; posso enviar a mensagem. Inclusive para o mundo todo. Vocês querem?
Depois de alguns minutos angustiosos, o caminhão do depósito de bebidas encostou defronte o bar, descarregando duas vintenas de caixas de cerveja.
- Esse Van Grogue é gente fina. Eu sempre acreditei nisso. – concluiu Zécilio, agora rodeado pelos companheiros que brindavam os bons momentos, com a saborosa alegria recém-chegada.
Texto revisado.
09/08/11